Gerard estava de olhos postos nos documentos. Nem deu por
mim quando entrei. Sou sincera: entrei no intuito de ir buscar a carteira mas
também queria que ele me visse, que olhasse para mim, que me analisasse e a
certa altura fui bem-sucedida.
- Onde vais assim vestida? - perguntou
ele simpaticamente.
Eu disse que ia à festa da
empresa que ele tinha organizado. Fazia-me espécie que o patrão da empresa e organizador
da festa não comparecesse. Antigamente não havia festa que ele recusasse muito
menos esta, cheia de mulheres, de álcool e de boa disposição. Gerard
desculpou-se com excesso de trabalho que ainda tinha por terminar. Eu por sinal
disse-lhe que ia, conheceria gente interessante e podia lá estar algum homem
descomprometido com quem pudesse falar. Ele sorriu. Como se soubesse que eu não
queria apenas falar com um homem descomprometido.
- Já percebi Amanda, vais pó
galanteio não é? - concluiu ele em forma de questão. - A indumentária, no entanto, não é a mais
adequada, acrescentou.
- Então estou feia? - perguntei.
Ele disse que não. Estava muito
bonita mas faltava-me naturalidade, estava um tanto ou quanto artificial. Foi
nesse momento que ele, aquele homem, esbelto, de fisionomia definida, charmoso,
bem vestido, com o cabelo curto moldado pelo gel, levantou-se da cadeira e aproximou-se
calmo e sorridente. A cada passo que ele dava, o meu coração batia mais forte,
perguntava-me o que iria ele fazer. Pois bem, parou á minha frente. Estávamos
muito próximos. Poucos centímetros de vazio separavam os nossos corpos. Cruzámos
o olhar. Aqueles olhos belos e ardentes, cor de âmbar, hipnotizaram-me desde o
primeiro instante. Eu não conseguia desviar vista da sua cara, estava
petrificada pela sensualidade que Gérard revelava. Estava frente a frente com a
graciosidade da cara de malandro que sempre teve. Senti o bafo expelido da sua
boca, cheirava a café e canela. Ergueu os braços á minha volta. Desapertou o laço
azul acetinado que me prendia o cabelo e pousou-o em cima da mesa.
- Não precisas disto. - disse
ele.
Com as suas mãos sensíveis
sacudiu ligeiramente o meu cabelo. Não passava de uma sacudidela mas eu
sentia-a como uma massagem sexual que me arrebitou todos os pontos do meu
corpo.
- Tens um cabelo bonito - disse.
É curto e rebelde, mas nada feio. Fica-te melhor solto e para a frente.
Ele olhou-me de alto abaixo como
se observasse a minha alma. Olhou-me de tal forma que senti-me nua mas não
ofendida ou intimidada. Senti-me Eva a passear no Éden. Ele aprovou os meus
sapatos, os collants transparentes e brilhantes que me realçavam as pernas, a
saia, o cinto, tudo. Porém, torceu o nariz na camisa branca que tinha o
primeiro botão desapertado.
- Falta aqui qualquer coisa – constatou
Gérard desmanchou o nó da sua
gravata que era um vermelho tinto. Levantou as golas da minha camisa
negligenciando o meu busto e passou a gravata de volta do meu pescoço.
Eu continuei petrificada durante
todo aquele processo. Toda aquela atenção deixava-me imóvel. Parece que nunca
vira aquela peça de homem que ali estava, ou convivera tantos anos com ele e
sempre fiz olhos cegos ao que ele era.
Consegui sentir a fragrância do
seu perfume, Aloé-vera, que estava impregnado na gravata agora envolta no meu
pescoço. Ele estava a fazer-lhe o nó mas eu não conseguia tirar os olhos da sua
figura, de um momento para outro estava apaixonada. Queria ir á festa com ele,
queria beber uns martínis com ele. Divertíamo-nos e depois íamos para casa, deitávamo-nos
na cama, amávamo-nos um ao outro paralisando aquele instante para sempre. A
ocasião pedia que os nossos lábios se unissem e pensei na realidade de isso
acontecer pois o magnetismo juntava-os, mas ambos desviámos o olhar e sacudimos
aquela ideia da cabeça como se fosse pecado, porém convictos de que era aquilo
que queríamos. Gerard finalizou a sua boa ação com um beijo na minha cara e
disse as palavras finais que terminaram aquele impasse.
- Tas muito bonita vais arrasar
hoje. Diverte-te.
A guerra milenar dos sexos. Nunca
ninguém ganha: eles precisam de nós e nós precisamos deles. Por vezes somos
surpreendidas por estas surpresas. Fui á festa e apesar de me ter divertido
voltei sozinha a casa pois Gérard não me saia do pensamento.
Ao chegar a casa chorei, como uma
menina de escola cujo amor não é correspondido. Os humanos tornam a simples
vida numa complicada batalha. Chorei em nome de todos os seres humanos da
terra.
Sarah Van Winkle
Em “ O diário de Amanda”
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