quarta-feira, 9 de maio de 2012

Party

            Gerard estava de olhos postos nos documentos. Nem deu por mim quando entrei. Sou sincera: entrei no intuito de ir buscar a carteira mas também queria que ele me visse, que olhasse para mim, que me analisasse e a certa altura fui bem-sucedida.
- Onde vais assim vestida? - perguntou ele simpaticamente.
Eu disse que ia à festa da empresa que ele tinha organizado. Fazia-me espécie que o patrão da empresa e organizador da festa não comparecesse. Antigamente não havia festa que ele recusasse muito menos esta, cheia de mulheres, de álcool e de boa disposição. Gerard desculpou-se com excesso de trabalho que ainda tinha por terminar. Eu por sinal disse-lhe que ia, conheceria gente interessante e podia lá estar algum homem descomprometido com quem pudesse falar. Ele sorriu. Como se soubesse que eu não queria apenas falar com um homem descomprometido.
- Já percebi Amanda, vais pó galanteio não é? - concluiu ele em forma de questão.  - A indumentária, no entanto, não é a mais adequada, acrescentou.
- Então estou feia? - perguntei.
Ele disse que não. Estava muito bonita mas faltava-me naturalidade, estava um tanto ou quanto artificial. Foi nesse momento que ele, aquele homem, esbelto, de fisionomia definida, charmoso, bem vestido, com o cabelo curto moldado pelo gel, levantou-se da cadeira e aproximou-se calmo e sorridente. A cada passo que ele dava, o meu coração batia mais forte, perguntava-me o que iria ele fazer. Pois bem, parou á minha frente. Estávamos muito próximos. Poucos centímetros de vazio separavam os nossos corpos. Cruzámos o olhar. Aqueles olhos belos e ardentes, cor de âmbar, hipnotizaram-me desde o primeiro instante. Eu não conseguia desviar vista da sua cara, estava petrificada pela sensualidade que Gérard revelava. Estava frente a frente com a graciosidade da cara de malandro que sempre teve. Senti o bafo expelido da sua boca, cheirava a café e canela. Ergueu os braços á minha volta. Desapertou o laço azul acetinado que me prendia o cabelo e pousou-o em cima da mesa.
- Não precisas disto. - disse ele.
Com as suas mãos sensíveis sacudiu ligeiramente o meu cabelo. Não passava de uma sacudidela mas eu sentia-a como uma massagem sexual que me arrebitou todos os pontos do meu corpo.
- Tens um cabelo bonito - disse. É curto e rebelde, mas nada feio. Fica-te melhor solto e para a frente.
Ele olhou-me de alto abaixo como se observasse a minha alma. Olhou-me de tal forma que senti-me nua mas não ofendida ou intimidada. Senti-me Eva a passear no Éden. Ele aprovou os meus sapatos, os collants transparentes e brilhantes que me realçavam as pernas, a saia, o cinto, tudo. Porém, torceu o nariz na camisa branca que tinha o primeiro botão desapertado.
- Falta aqui qualquer coisa – constatou
Gérard desmanchou o nó da sua gravata que era um vermelho tinto. Levantou as golas da minha camisa negligenciando o meu busto e passou a gravata de volta do meu pescoço.
Eu continuei petrificada durante todo aquele processo. Toda aquela atenção deixava-me imóvel. Parece que nunca vira aquela peça de homem que ali estava, ou convivera tantos anos com ele e sempre fiz olhos cegos ao que ele era.
Consegui sentir a fragrância do seu perfume, Aloé-vera, que estava impregnado na gravata agora envolta no meu pescoço. Ele estava a fazer-lhe o nó mas eu não conseguia tirar os olhos da sua figura, de um momento para outro estava apaixonada. Queria ir á festa com ele, queria beber uns martínis com ele. Divertíamo-nos e depois íamos para casa, deitávamo-nos na cama, amávamo-nos um ao outro paralisando aquele instante para sempre. A ocasião pedia que os nossos lábios se unissem e pensei na realidade de isso acontecer pois o magnetismo juntava-os, mas ambos desviámos o olhar e sacudimos aquela ideia da cabeça como se fosse pecado, porém convictos de que era aquilo que queríamos. Gerard finalizou a sua boa ação com um beijo na minha cara e disse as palavras finais que terminaram aquele impasse.
- Tas muito bonita vais arrasar hoje. Diverte-te.
A guerra milenar dos sexos. Nunca ninguém ganha: eles precisam de nós e nós precisamos deles. Por vezes somos surpreendidas por estas surpresas. Fui á festa e apesar de me ter divertido voltei sozinha a casa pois Gérard não me saia do pensamento.
Ao chegar a casa chorei, como uma menina de escola cujo amor não é correspondido. Os humanos tornam a simples vida numa complicada batalha. Chorei em nome de todos os seres humanos da terra.

Sarah Van Winkle
 
Em “ O diário de Amanda”

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