quarta-feira, 8 de maio de 2013

Falsificador de sorrisos

        Onde quer que eu fosse, era o "Rei da festa" e nem fazia por isso. Os conhecidos coroavam-me mal entrasse. Podia chegar tarde ou cedo, podia estar até ao fim ou apenas uns minutos mas era sempre o "Rei da festa". Pareciam alvíssaras ás Naus Lusitanas regressadas dos descobrimentos. Creio que era devido à minha disposição e do meu sorriso. Não me espantava. Tudo o que tinha de mais bonito era o meu sorriso, era verdadeiro, único, singular, não se tratava de ser o mais branco pois não o era. Tratava-se de ser genuíno, decorrente de alguma alegria que despoletasse essa expressão facial. Contudo não era com frequência que sorria, sorrir por sorrir era fácil... muito fácil
         Estou habituado a chegar a espaços onde conheço os fregueses e ser ovacionado com frases desta espécie: "Chegou o Rei", "Capitão, tu é que mandas nisto" entre muitas outras enquanto percorro a sala distribuindo cumprimentos e apertos de mão e disparando sorrisos tão rápido quanto Jesse James. Mas o que significavam todos esses sorrisos? Nada. Não havia com quem os partilhar. Os que surgiam não eram verdadeiros. Apesar dos aplausos e das palmadinhas nas costas, eram todos eles de circunstância.
Já algum tempo que namorava platonicamente a empregada que servia bebidas detrás do balcão. Ela era bonita, simples e bem-disposta e eu admirava-a e contemplava-a de longe, contudo faltava-me a coragem para a convidar a sair. O corpo não reagia aos estímulos do cérebro, a insegurança paralisava-me os membros. Apoquentava-me com suposições do género: "se ao menos tivesse a coragem", " nunca irei saber se não falar com ela" e imaginava diálogos que se proporcionariam caso me dessem apenas cinco minutos com ela, mas nada era assim tão linear. A gaiata, na ignorância de que eu a desejava, apenas dava-me um seco "boa-noite", de que servia sorrir então, nada, porque que ela não me sorria.
          Mal me aproximasse, apoderava-se em mim o silêncio, as palavras embrulhavam-se na garganta, não conseguia sequer gaguejar quanto mais falar, e eu que noutros tempos fora um grande conquistador, agora, o medo apoderara-se de mim, o receio de não ser suficientemente bom para enamorar seja quem for impedia-me de tentar. Tinha o coração assoberbado de mágoa e esse receio era apenas um mecanismo de defesa para evitar torna-lo mais negro. Era, no entanto, imperativo supera-lo, como dizia o poeta: "há que caminhar nas trevas em ordem de ver a luz" mas é a escuridão das trevas que atormenta este cavaleiro.
          A falsa alegria que demonstrava atraiçoava-me frequentemente como um polícia corrompido no meio de uma rusga, baleava-me quando menos esperava. O que todos assumiam ser sinónimo de um boa vida, sem preocupações, escondia tristezas que essa população ignorante nunca imaginou sequer ter como pesadelo e esse era o meu dia-a-dia; escrever sobre o amor, sobre paixão, sobre a casualidade de conhecer alguém interessante no quotidiano. Todos me queriam algo, e eu? O que me reservava a mim o futuro, o que me guardava a mim a felicidade? A inveja proveniente do desconhecimento da vida de um escritor, fazia-os invejarem-me um pedaço, um naco do meu sorriso e da minha boa disposição, e quem eu queria, de mim nada queriam, eram as mulheres e os editores que me ignoravam neste mal-afortunado destino.
         Saber sorrir sabia, toda a gente sabe! Eu sou um grande sorridente mas também sou o maior falsificador de sorrisos de todos os tempos, qualquer obra de arte forjada de nomes como Da vinci, Monet, Rembrandt, Picasso, Dalí, não se comparam aos meus sorrisos falsificados. É tal a perfeição das imitações, que passam por reais em qualquer companhia e circunstância, mas não deixam de ser falsos, os verdadeiros poupo-os para situações realmente alegres, algumas das quais pertencem ao passado, mas que guardo com grande estima na memória e no coração, e ainda me rio sozinho com elas. Eu era o Rei de tudo pelo que se constava, diziam conhecer-me tão bem mas nem sabiam destingir um sorriso genuíno, era tão natural como de fácil providenciar um júbilo fraudulento, condicionado pelo ambiente em redor. Os meus sorrisos também não são difíceis de autenticar, garanto, basta conhecer-me minimamente.
          Em prol da boa disposição dos restantes deixava-me ficar para trás. Deixava as miúdas apaixonarem-se por outros rapazes e desonrava a minha própria felicidade com a inércia de tomar uma atitude o que resultava na queda de lágrimas cuja noite escondia, porém não deixava de sorrir. Um dia tudo há de mudar. Prestarei contas comigo mesmo numa luta de titãs; um de nós haverá de cair. O rapaz triste e de sorrisos falsos versus rapaz feliz de sorriso bonito. Enquanto não acontecia a grande batalha, eu continuava, apesar de tudo, a ser o Rei da festa. Claro, porque não! Afinal beber era o que sabia fazer melhor, era beber e escrever. Já o fazia aos anos. Percorrera todos e qualquer tipo de bar ou tasca, desde as mais finas, passando pelos pubs, até as mais reles onde por raras vezes se conhece gente interessante mas que habitualmente a cerveja era barata e a clientela também.
           O rei da festa dispara imitações tão perfeitas de sorrisos que alegram a todos, mas ninguém sabia que ele nem Rei queria ser. Pois assim sendo Alvíssaras ao "Rei da festa".

Jake Mandino

Excerto do livro ( Snack Bar o Mordomo)