Tinha anotado numa folha as
coisas que tinha para fazer. Parecia a lista de Beatrix Kiddo no filme Kill
Bill. Número um: matar o pasteleiro. Não. Não é verdade o primeiro sítio onde
tinha que passar era numa sapataria… matar o sapateiro. Ah ah! Também não é
verdade. Tinha que lá passar, sim, mas era para trazer uns sapatos que tinha
reservado. Depois tinha que passar na pastelaria para levantar o bolo de
aniversário que tinha encomendado e ainda fazia contas de ir á livraria, tinha
o dia todo preenchido. Já havia tomado o pequeno-almoço em casa assim que acordei.
Café com leite e uns croissants. Um pequeno-almoço á parisiense. Também já riscara
a ida ao cabeleireiro que me fez uma maravilha com o cabelo. Estava, de momento,
perto da livraria e aproveitei para levantar logo o livro que tinha encomendado.
Entrei e esbarrei com um antigo ex-namorado que também lá estava. Já não o via há
largos anos.
Estava de costas e tive que andar
de volta dele a fingir-me interessada nos titulos até confirmar que era mesmo
ele.
James! – disse eu
Ele estava concentrado num livro
de Ernest Hemingway, por isso não respondeu. Olhei para ele e imaginei-lhe como
quando nos tínhamos conhecido há longos anos. Era como se não tivesse mudado de
forma alguma. A sua silhueta estava perfeita.
- Ernest Emingway hein? Sempre
foi o teu autor favorito.
- Amanda! – estranhou ele –
Amanda! - repetiu com mais ênfase.
- James como estás? Tudo bem?
É sempre estranho encontrar um
ex-namorado antigo que nos marcou. Há certos pensamentos que nos atravessam a
cabeça a vinte mil rotações enquanto sorrimos ridiculamente: “Será que estou
bonita?”, “porque é que isto tinha de acontecer hoje?” “logo hoje que estou tão
ocupada!”. “Está bonito!”, “deve ter namorada!” “ será que ainda sente alguma
coisa por mim?”, “porra o que faço agora?”. “ Fuck, fuck, fuck, merda”.
Esses encontros, no entanto,
obedecem a certas regras. Primeiro as expressões. Começamos por ficar
surpreendidas depois contentes e nunca tiramos o sorriso da cara. Permanecemos
sorridentes até ao fim. Depois vem a conversa trivial, que tem implementado
algumas frases chaves que seguem a seguinte ordem: Como estás? Que andas por
aqui a fazer? Estás formidável ou estás com bom aspeto! E de resto como está a
tua vida? Então e de amores? E a pergunta final: Queres ir beber café?
Este encontro, como todos os
outros, não fugiu á regra.
- Estou bem – afirmou ele - e tu
que contas.
- Tou a ver uns livros.
- Pois, pensei que tivesses vindo
comprar chanatos. – gracejou
- Ahh tens razão é uma livraria…
Vim buscar um livro que reservei. O novo romance da Sarah Van Winkle.
- “Nunca é tarde á meia-noite”?
- Sim é esse mesmo! Reservei para
dar a uma amiga. É o aniversário dela.
- Boa escolha Amanda. É muito
bom, aliás, qualquer livro dela é bom
- Bem sei. Bem sei. Então estás a
trabalhar em que? - perguntei
- Nada de especial! Sou apenas
coordenador de departamento da OHMS.
- Engraçado! Não é mesmo nada de
especial e eu a pensar que estavas a virar frangos. - Sorri
- Sim tem o seu que de
responsabilidade. E tu?
- Sou assistente do presidente de
uma fábrica de enlatados
- Isso é bom. Qual é a marca.
- “Enlatados de Portugal”
pertence a companhia “Portugal não vai nada mal”.
Fez-se um pouco de silêncio.
Ambos sorriamos estupidamente, apalpávamos as abas dos livros e líamos os
títulos e as sinopses como dois miúdos de escola envergonhados.
- Estás formidável Amanda. -
observou James.
- Não exageres, fui agora
arranjar o cabelo por isso é que pareço rejuvenescida.
- Não Amanda. Estás mesmo.
- Tu também, James. Estás com bom
aspeto. Deves ter todas as raparigas atrás de ti. – disse eu.
- Nem por isso, não me tenho
dedicado muito a isso. E tu.
- Também estou igual. Ando mais
vocacionada para o trabalho. Mas tenho sempre tempo para um copo ou dois.
- Nisso estamos de acordo. Queres
beber um logo? Falar de coisas?
- Logo vou estar ocupada numa
festa de anos mas manda-me uma mensagem talvez a festa já tenha acabado.
Trocamos os números e ainda
ficamos a falar por mais um algum tempo. Subitamente olhei para o relógio,
reparei que já se fazia tarde, despedi-me educadamente dele e tudo o resto que
tinha para fazer durante o dia foi feito a correr como corri entrei nas lojas
agarrei o que tinha encomendado e deslocava-me para outra loja parecia o
videoclip de uma banda de rock.
Consegui concluir tudo o que
tinha programado, eram quase horas de jantar, ligaram para saber onde andava
porque já lá devia estar.
Cheguei a tempo para a festa
surpresa, já havia muito coisa arranjada: os comes, os bebes, o karaoke. Só faltava
mesmo a aniversariante que também não tardaria a chegar. Pus o bolo na mesa e
guardei o livro na mesa dos presentes. O bolo já tinha as velas postas. O namorado,
que tinha preparado tudo, mandou mensagem, queria dizer que estavam prestes a
chegar, já deviam estar no prédio. Apagamos as luzes e escondemo-nos todos para
que quando chegassem gritássemos
Enfim, ouviu-se as chaves a rodar
a porta e entraram, o namorado dela acendeu as luzes desculpando-se por não ter
preparado nada para a festa, o que ra mentira Vanessa nem sonhava com a
surpresa que lhe esperava. Saímos todos detrás da cortina e gritamos em conjunto, Parabéns.
A festa
estava fantástica mas algo me entristecera. Eu via aquela felicidade entre Vanessa
e o namorado, o cuidado com que ele preparou a festa a atenção para a sua
cara-metade. E eu? Quando vai chegar a minha vez de ter alguém que me prepare
uma festa, ou que me prepare o jantar quando chegar tarde a casa? Foi então que
recebi uma mensagem do James. “sempre queres ir dar uma volta, beber um copo.” Voltou-me
o sorriso à cara e respondi-lhe que ainda estava na festa mas que daqui a pouco
já saia e que lhe ligava.
Sarah Van Winkle
Em “ O diário de Amanda”