Estava estático há cerca de sete horas. Já estava naquele
terraço mesmo antes de ter sido formado o cordão policial. Geralmente era pago
por este tipo de trabalhos mas este faria com muito agrado. A chuva caía
miudinha e o vento estava a quinze nós. Já tinha regulado a trajectória mas
ainda não tinha trancado a mira não fosse a velocidade do vento aumentar. Onde
me encontrava, via em pleno o Palácio de São Bento – emblema de Portugal e da
liberdade – agora era a Assembleia da Republica, símbolo distinto da austeridade e da repressão, e da corrupção dos deveres que deveriam ser prestados
públicos mas cujo os interesses pessoais de gente que governa multidões como quem joga “ Damas” falava mais alto.
Aqui no
terraço consegue-se ver tudo. Era um prédio castiço para se morar, para fazer um
café ou restaurante gourmet, mas que interessa isso aos olhos deles. O prédio tem
talvez três habitantes, todos eles com os pés para a cova, a viver na pobreza
proporcionada por estes merdosos que fazem-se homens só porque usam gravata. Aqui em cima, quem
me faz companhia são os pombos e as respectivas poias que acabam
por ser mais fiéis que os seres humanos.
A manifestação
já se dava. Ouviam-se ao longe, os petardos lançados pelos cidadãos oprimidos que
reprovavam mais um orçamento criminoso. A polícia que sofria dos mesmos cortes,
dos mesmos males, mantinha a sua posição sem arredar pé. As merdas dos
juramentos orados nas escolas, cegava-lhes o bom senso. Era o jogo do empurra:
o povo queria ocupar as instalações da assembleia e a policia anti-motim não
deixava. Faltava pouco para rebentar a bomba e haver sarilhos. Pois que
houvesse! Sem sangue não há liberdade, era o meu lema. Eu, contudo, aguardava o
doutor, o supra-sumo da corrupção, o gatuno, enfim o filho da puta que roubou a
pensão dos meus avós e os fez pobres, o larápio que roubou a saúde aos
portugueses e os fez necessitados, o fraude que prometeu e não cumpriu, o
bandido que se apropriou dos ordenados e dos subsídios de milhares de pessoas.
Eu queria era o pirata que extorquiu a felicidade e o orgulho dos cidadãos
trabalhadores. Afinal de contas a dívida não era do povo, era o que se ouvia na
manifestação.
Os doutores
começaram a sair um a um para os seus carros blindados. Saiam sorridentes de
terem encontrado mais uma solução para o país. Contudo, não eram mais do que
mercadores de miséria.
Chegara a altura. O vento corria
a dezoito nós, regulei novamente a mira e tranquei. Esperei um pouco mais, quieto,
estático, tão estático e até as pombas me cagavam em cima, o silenciador faria
chiuu numa bala com a assinatura de todos os trabalhadores prejudicados deste
país e além-fronteiras. Nasceria um novo dia onde começaria a guerra contra o
capitalismo, o corporativismo e a corrupção. O projéctil levava a assinatura da
menina deficiente que perdera o subsídio, do estudante que não concluiu os
estudos por ter que arranjar trabalho, de todos os emigrantes forçados a sair
de “casa” por melhores condições de vida.
Um ligeiro
puxão e estava feito. Job done without a
fuzz. Arrumei tudo em 3 minutos, dois minutos e cinquenta segundos para ser
mais preciso. Tinha o traje de mendigo e um carrinho de supermercado
estacionado à porta do prédio. Ao chegar ao átrio, guardei a maleta no
carrinho, refundira-a entre os cobertores. Esfreguei um dejecto
de cão no casaco e no gorro e fui pedir refeição as carrinhas do banco a
alimentar. O meu cheiro era tão repugnante que ninguém se queria aproximar nem
para me dar o prato com feijoada. Ainda bem. O Povo é quem mais ordena. Case
closed.
Lori Montereal
Lori Montereal
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