Onde quer que eu
fosse, era o "Rei da festa" e nem fazia por isso. Os
conhecidos coroavam-me mal entrasse. Podia chegar tarde ou cedo,
podia estar até ao fim ou apenas uns minutos mas era sempre o "Rei
da festa". Pareciam alvíssaras ás Naus Lusitanas regressadas
dos descobrimentos. Creio que era devido à minha disposição e do
meu sorriso. Não me espantava. Tudo o que tinha de mais bonito era o
meu sorriso, era verdadeiro, único, singular, não se tratava de ser
o mais branco pois não o era. Tratava-se de ser genuíno, decorrente
de alguma alegria que despoletasse essa expressão facial. Contudo
não era com frequência que sorria, sorrir por sorrir era fácil...
muito fácil
Estou habituado a
chegar a espaços onde conheço os fregueses e ser ovacionado com
frases desta espécie: "Chegou o Rei", "Capitão, tu é
que mandas nisto" entre muitas outras enquanto percorro a sala
distribuindo cumprimentos e apertos de mão e disparando sorrisos tão
rápido quanto Jesse James. Mas o que significavam todos esses
sorrisos? Nada. Não havia com quem os partilhar. Os que surgiam não
eram verdadeiros. Apesar dos aplausos e das palmadinhas nas costas,
eram todos eles de circunstância.
Já algum tempo que namorava platonicamente a empregada que servia
bebidas detrás do balcão. Ela era bonita, simples e bem-disposta e
eu admirava-a e contemplava-a de longe, contudo faltava-me a coragem
para a convidar a sair. O corpo não reagia aos estímulos do
cérebro, a insegurança paralisava-me os membros. Apoquentava-me com
suposições do género: "se ao menos tivesse a coragem", "
nunca irei saber se não falar com ela" e imaginava diálogos
que se proporcionariam caso me dessem apenas cinco minutos com ela,
mas nada era assim tão linear. A gaiata, na ignorância de que eu a
desejava, apenas dava-me um seco "boa-noite", de que servia
sorrir então, nada, porque que ela não me sorria.
Mal me aproximasse,
apoderava-se em mim o silêncio, as palavras embrulhavam-se na
garganta, não conseguia sequer gaguejar quanto mais falar, e eu que
noutros tempos fora um grande conquistador, agora, o medo
apoderara-se de mim, o receio de não ser suficientemente bom para
enamorar seja quem for impedia-me de tentar. Tinha o coração
assoberbado de mágoa e esse receio era apenas um mecanismo de defesa
para evitar torna-lo mais negro. Era, no entanto, imperativo
supera-lo, como dizia o poeta: "há que caminhar nas trevas em
ordem de ver a luz" mas é a escuridão das trevas que atormenta
este cavaleiro.
A falsa alegria que
demonstrava atraiçoava-me frequentemente como um polícia corrompido
no meio de uma rusga, baleava-me quando menos esperava. O que todos
assumiam ser sinónimo de um boa vida, sem preocupações, escondia
tristezas que essa população ignorante nunca imaginou sequer ter
como pesadelo e esse era o meu dia-a-dia; escrever sobre o amor,
sobre paixão, sobre a casualidade de conhecer alguém interessante
no quotidiano. Todos me queriam algo, e eu? O que me reservava a mim
o futuro, o que me guardava a mim a felicidade? A inveja proveniente
do desconhecimento da vida de um escritor, fazia-os invejarem-me um
pedaço, um naco do meu sorriso e da minha boa disposição, e quem
eu queria, de mim nada queriam, eram as mulheres e os editores que me
ignoravam neste mal-afortunado destino.
Saber sorrir sabia, toda a gente sabe! Eu sou um grande sorridente
mas também sou o maior falsificador de sorrisos de todos os tempos,
qualquer obra de arte forjada de nomes como Da vinci, Monet,
Rembrandt, Picasso, Dalí, não se
comparam aos meus sorrisos falsificados. É tal a perfeição das
imitações, que passam por reais em qualquer companhia e
circunstância, mas não deixam de ser falsos, os verdadeiros
poupo-os para situações realmente alegres, algumas das quais
pertencem ao passado, mas que guardo com grande estima na memória e
no coração, e ainda me rio sozinho com elas. Eu era o Rei de tudo
pelo que se constava, diziam conhecer-me tão bem mas nem sabiam
destingir um sorriso genuíno, era tão natural como de fácil
providenciar um júbilo fraudulento, condicionado pelo ambiente em
redor. Os meus sorrisos também não são difíceis de autenticar,
garanto, basta conhecer-me minimamente.
Em prol da boa
disposição dos restantes deixava-me ficar para trás. Deixava as
miúdas apaixonarem-se por outros rapazes e desonrava a minha própria
felicidade com a inércia de tomar uma atitude o que resultava na
queda de lágrimas cuja noite escondia, porém não deixava de
sorrir. Um dia tudo há de mudar. Prestarei contas comigo mesmo numa
luta de titãs; um de nós haverá de cair. O rapaz triste e de
sorrisos falsos versus rapaz feliz de sorriso bonito. Enquanto
não acontecia a grande batalha, eu continuava, apesar de tudo, a ser
o Rei da festa. Claro, porque não! Afinal beber era o que sabia
fazer melhor, era beber e escrever. Já o fazia aos anos. Percorrera
todos e qualquer tipo de bar ou tasca, desde as mais finas, passando
pelos pubs, até as mais reles onde por raras vezes se conhece
gente interessante mas que habitualmente a cerveja era barata e a
clientela também.
O rei da festa
dispara imitações tão perfeitas de sorrisos que alegram a todos,
mas ninguém sabia que ele nem Rei queria ser. Pois assim sendo
Alvíssaras ao "Rei da festa".
Jake Mandino
Excerto do livro (
Snack Bar o Mordomo)