domingo, 30 de março de 2014

a chegada.

     "A felicidade não era assim tão fácil de conquistar. Tem que ser procurada, trabalhada. Outrora vivia uma vida de classe laborar onde o dinheiro servia apenas para pagar despesas e limitar-me a poucos luxos. Num piscar de olhos passei para o outro lado, onde o dinheiro não me faltava para fazer fosse o que fosse.
    Ter pouco ou muito dinheiro tem os seus prós e contras. Quando tinha pouco andava a contar tostões agora que tenho muito afastei-me de muita gente - ganhei outras sem duvida - e embora não tenha ficado só, era obrigado a admitir que me faltavam certas pessoas a que já estava  habituado à presença. Eram saudades ou simplesmente nostalgia mas lembrava-me das pessoas da minha freguesia, dos inúmeros cafés e bares que costumávamos percorrer fazendo fiado por alturas de final de mês, das confusões que armávamos, das gargalhadas a altas horas da noite.  Mas é tudo tão linear, por isso é que as vezes tirava o fato e gravata, vestia roupa rasgada; a t-shirt sem mangas, o colete manga cava negro e um lenço amarrado ao pulso e ia sentir o punk para os bares que só a minha freguesia tinha, recordando a nostalgia que certos sítios me traziam. Conhecia inúmeras pessoas jovens, adultos , velhos e mendigos entre muitos outros. Agora que tinha a mulher e o gaiato, estava completo mas isso não me impedia de me divertir fosse com eles ou com amigos. Ninguém foge as suas raízes. A minha freguesia sabia sempre receber-me como um filho.

O Capitão.

sábado, 8 de março de 2014

A new day

          Estava estático há cerca de sete horas. Já estava naquele terraço mesmo antes de ter sido formado o cordão policial. Geralmente era pago por este tipo de trabalhos mas este faria com muito agrado. A chuva caía miudinha e o vento estava a quinze nós. Já tinha regulado a trajectória mas ainda não tinha trancado a mira não fosse a velocidade do vento aumentar. Onde me encontrava, via em pleno o Palácio de São Bento – emblema de Portugal e da liberdade – agora era a Assembleia da Republica, símbolo distinto da austeridade e da repressão, e da corrupção dos deveres que deveriam ser prestados públicos mas cujo os interesses pessoais de gente que governa multidões como quem joga “ Damas” falava mais alto.
            Aqui no terraço consegue-se ver tudo. Era um prédio castiço para se morar, para fazer um café ou restaurante gourmet, mas que interessa isso aos olhos deles. O prédio tem talvez três habitantes, todos eles com os pés para a cova, a viver na pobreza proporcionada por estes merdosos que fazem-se homens só porque usam gravata. Aqui em cima, quem me faz companhia são os pombos e as respectivas poias que acabam por ser mais fiéis que os seres humanos.
            A manifestação já se dava. Ouviam-se ao longe, os petardos lançados pelos cidadãos oprimidos que reprovavam mais um orçamento criminoso. A polícia que sofria dos mesmos cortes, dos mesmos males, mantinha a sua posição sem arredar pé. As merdas dos juramentos orados nas escolas, cegava-lhes o bom senso. Era o jogo do empurra: o povo queria ocupar as instalações da assembleia e a policia anti-motim não deixava. Faltava pouco para rebentar a bomba e haver sarilhos. Pois que houvesse! Sem sangue não há liberdade, era o meu lema. Eu, contudo, aguardava o doutor, o supra-sumo da corrupção, o gatuno, enfim o filho da puta que roubou a pensão dos meus avós e os fez pobres, o larápio que roubou a saúde aos portugueses e os fez necessitados, o fraude que prometeu e não cumpriu, o bandido que se apropriou dos ordenados e dos subsídios de milhares de pessoas. Eu queria era o pirata que extorquiu a felicidade e o orgulho dos cidadãos trabalhadores. Afinal de contas a dívida não era do povo, era o que se ouvia na manifestação.
            Os doutores começaram a sair um a um para os seus carros blindados. Saiam sorridentes de terem encontrado mais uma solução para o país. Contudo, não eram mais do que mercadores de miséria.
Chegara a altura. O vento corria a dezoito nós, regulei novamente a mira e tranquei. Esperei um pouco mais, quieto, estático, tão estático e até as pombas me cagavam em cima, o silenciador faria chiuu numa bala com a assinatura de todos os trabalhadores prejudicados deste país e além-fronteiras. Nasceria um novo dia onde começaria a guerra contra o capitalismo, o corporativismo e a corrupção. O projéctil levava a assinatura da menina deficiente que perdera o subsídio, do estudante que não concluiu os estudos por ter que arranjar trabalho, de todos os emigrantes forçados a sair de “casa” por melhores condições de vida.
            Um ligeiro puxão e estava feito. Job done without a fuzz. Arrumei tudo em 3 minutos, dois minutos e cinquenta segundos para ser mais preciso. Tinha o traje de mendigo e um carrinho de supermercado estacionado à porta do prédio. Ao chegar ao átrio, guardei a maleta no carrinho, refundira-a entre os cobertores. Esfreguei um dejecto de cão no casaco e no gorro e fui pedir refeição as carrinhas do banco a alimentar. O meu cheiro era tão repugnante que ninguém se queria aproximar nem para me dar o prato com feijoada. Ainda bem. O Povo é quem mais ordena. Case closed.

Lori Montereal