quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A hora da conversa

           Chegara a hora de ter uma conversa com ele. Gerard andava triste, cada vez mais ocupado com trabalho, mais cansado e cada vez mais sozinho. O motivo do seu desânimo era fácil de perceber. Os tempos eram tortos sem dúvida, o governo não dava margem de manobra às pequenas e médias empresas como o caso desta. Enquanto as grandes monopolizavam o mercado e a concorrência, recebiam ainda grande maioria dos subsídios. As outras, claro, enfraqueciam e abriam falência levando com elas, dezenas de empregados ao desemprego e famílias á ruína.
             As vendas eram fracas e o motivo estava á vista. Só o governo não percebia que quanto mais retirava aos portugueses, menos eles compravam. Não havia poder de compra, não havia circulação de dinheiro, não havia libertação de capital, ficava estagnado e não se multiplicava. Mas a grande questão de Gerard, bem como a de todos nós, era como manter os nossos cerca de cento e trinta empregados.
Para a empresa subsistir tinha que haver despedimentos “layoff's” como dizem os americanos. Era óbvio, era assustador e triste mas o “downsizing” era talvez a única solução e devia ser encarada como uma realidade que a qualquer momento iria acontecer. É uma regra que se aprende na faculdade e faz parte do bom senso de qualquer gestor. Só ele não percebia isso, não sei se era por não perceber nada de gestão ou se estaria a alimentar um sonho de que as coisas iriam melhorar por si só.
            Cheguei ao trabalho e preparei as coisas. Tirei um café na máquina da sala de refeições da direção. Tinha lá também uma máquina de bolos, o micro-ondas e uma mesa. Olhei para a televisão, estavam a passar as notícias da austeridade que eram habituais e comuns a qualquer outro dia, nada variava a não ser o valor que o governo iria “roubar” ao seu povo. A situação económica piorava de dia para dia e não era só em Portugal, a austeridade assombrava o mundo inteiro. Uma pessoa chegava a sentir-se culpada por receber 3000 euros por mês quando a situação geral era receber 475, 500, 600 euros. Gerard no entanto, pagava 350 euros á mais que ordenado mínimo aos seus empregados. Ele remunerava em média, 850 euros por empregado. É na verdade, e nos dias que correm, uma quantia aceitável.
Acabei de beber o café e como ainda não o tinha visto passar decidi dirigir-me ao seu gabinete bater á porta. Antes do seu gabinete estava Natália a secretária e também Francisco o contabilista debruçado sobre papelada, contas, lucros, faturas, procurando onde poupar mais.
            Batia a porta e logo uma voz me disse “entre”.
- Gerard! - indaguei eu. Estava com a mesma roupa de ontem. Estava explicado porque ainda não o vira a passar. Ele não passara ali a noite, a trabalhar. O seus olhos estavam negros das olheiras o cabelo despenteado todo ele parecia fraca. Perguntei-me se ao menos teria comido qualquer coisa.
            - Gerard – interrompi bruscamente. – Temos que falar.
- Não há nada para falar. Eu sei o que pretendes e digo já que não aceito.
            - Mas é o mais correto.
            - Ainda há solução – teimou ele.- Se cortarmos aqui, descermos o preço do produto e das embalagens. Se alterarmos exponencialmente a circulação dos enlatados. Podemos tentar expandir para outras zonas. Reposição imediata em grandes superfícies
            - É tudo uma ilusão Gerard. Vais ter que acabar por tomar essa decisão, mais tarde ou mais cedo.
            - Não vou – levantou ele a voz. Assustou-me. - Olha bem para ali para a vitrina. Tenho gente com família que nunca faltou, nunca chegou atrasado, vieram trabalhar constipados, fizeram horas extras quando lhes foi solicitado. Que motivo vou dar eu para lhes despedir.
            - Ora! Eles iram compreender. – disse eu. Só depois me apercebi que era uma asneira. Ninguém compreende um despedimento com base no capitalismo.
            - Compreendes tu por eles porque a ti não te falta comida. A eles sim. Trabalha ai uma mãe solteira com três filhos pequenos. Com que cara, vou eu dispensa-la dos seus serviço para a empresa faturar mais. E como ela existem inúmeros outros casos.
            Não consegui dizer nada. Ele chamou-me a razão, contudo a minha atitude era para o bem da empresa, dele especialmente.
- Já lá vão 2 anos desde que cá estás – continuou – sempre achei que tinhas potencial, porque não confias em mim agora quando eu mais preciso. Porque não usamos todos a cabecinha e vemos o que se pode fazer para não despedir as pessoas que não merecem, que precisam do trabalho. Não quero sem mais um tirano nesta sociedade.
            Ok então fazemos assim: eu pensarei em algo e convocamos uma reunião para as vinte horas. Todos sem exceção aqui na empresa para falarmos sobre isto. Ninguém sai daqui até ficar tudo claro, até arranjarmos uma solução ambigua. Entretanto tu vais dormir porque também não estás a pensar com clareza.
            Ele aceitou. Embora eu soubesse que ele não ia voltar atrás com a sua decisão. Manteria a sua postura até ao fim. Quando disse que ele não estava a pensar com clareza não escolhi bem o termo. O seu raciocínio era claro, conciso, e digno, a única diferença é que era direcionado para um bem mais nobre. De gestão até podia não perceber pevas mas da condição humana ele sabia até de mais. O homem não é um tirano, ele afinal tem coração era ponto assente. Todos nós pensamos e debatemos e após ele mostrar a sua opinião verificamos que ele descartou o Downsizing. Ele fez melhor que isso, rentabilizou a empresa.

Sara Van Winkle