quinta-feira, 17 de maio de 2012

Saíram todos detrás da cortina e gritaram. Parabéns Parte 2


Tinha anotado numa folha as coisas que tinha para fazer. Parecia a lista de Beatrix Kiddo no filme Kill Bill. Número um: matar o pasteleiro. Não. Não é verdade o primeiro sítio onde tinha que passar era numa sapataria… matar o sapateiro. Ah ah! Também não é verdade. Tinha que lá passar, sim, mas era para trazer uns sapatos que tinha reservado. Depois tinha que passar na pastelaria para levantar o bolo de aniversário que tinha encomendado e ainda fazia contas de ir á livraria, tinha o dia todo preenchido. Já havia tomado o pequeno-almoço em casa assim que acordei. Café com leite e uns croissants. Um pequeno-almoço á parisiense. Também já riscara a ida ao cabeleireiro que me fez uma maravilha com o cabelo. Estava, de momento, perto da livraria e aproveitei para levantar logo o livro que tinha encomendado. Entrei e esbarrei com um antigo ex-namorado que também lá estava. Já não o via há largos anos.
Estava de costas e tive que andar de volta dele a fingir-me interessada nos titulos até confirmar que era mesmo ele.
James! – disse eu
Ele estava concentrado num livro de Ernest Hemingway, por isso não respondeu. Olhei para ele e imaginei-lhe como quando nos tínhamos conhecido há longos anos. Era como se não tivesse mudado de forma alguma. A sua silhueta estava perfeita.
- Ernest Emingway hein? Sempre foi o teu autor favorito.
- Amanda! – estranhou ele – Amanda! - repetiu com mais ênfase.
- James como estás? Tudo bem?
É sempre estranho encontrar um ex-namorado antigo que nos marcou. Há certos pensamentos que nos atravessam a cabeça a vinte mil rotações enquanto sorrimos ridiculamente: “Será que estou bonita?”, “porque é que isto tinha de acontecer hoje?” “logo hoje que estou tão ocupada!”. “Está bonito!”, “deve ter namorada!” “ será que ainda sente alguma coisa por mim?”, “porra o que faço agora?”. “ Fuck, fuck, fuck, merda”.
Esses encontros, no entanto, obedecem a certas regras. Primeiro as expressões. Começamos por ficar surpreendidas depois contentes e nunca tiramos o sorriso da cara. Permanecemos sorridentes até ao fim. Depois vem a conversa trivial, que tem implementado algumas frases chaves que seguem a seguinte ordem: Como estás? Que andas por aqui a fazer? Estás formidável ou estás com bom aspeto! E de resto como está a tua vida? Então e de amores? E a pergunta final: Queres ir beber café?
Este encontro, como todos os outros, não fugiu á regra.
- Estou bem – afirmou ele - e tu que contas.
- Tou a ver uns livros.
- Pois, pensei que tivesses vindo comprar chanatos. – gracejou
- Ahh tens razão é uma livraria… Vim buscar um livro que reservei. O novo romance da Sarah Van Winkle.
- “Nunca é tarde á meia-noite”?
- Sim é esse mesmo! Reservei para dar a uma amiga. É o aniversário dela.
- Boa escolha Amanda. É muito bom, aliás, qualquer livro dela é bom
- Bem sei. Bem sei. Então estás a trabalhar em que? - perguntei
- Nada de especial! Sou apenas coordenador de departamento da OHMS.
- Engraçado! Não é mesmo nada de especial e eu a pensar que estavas a virar frangos. - Sorri
- Sim tem o seu que de responsabilidade. E tu?
- Sou assistente do presidente de uma fábrica de enlatados
- Isso é bom. Qual é a marca.
- “Enlatados de Portugal” pertence a companhia “Portugal não vai nada mal”.
Fez-se um pouco de silêncio. Ambos sorriamos estupidamente, apalpávamos as abas dos livros e líamos os títulos e as sinopses como dois miúdos de escola envergonhados.
- Estás formidável Amanda. - observou James.
- Não exageres, fui agora arranjar o cabelo por isso é que pareço rejuvenescida.
- Não Amanda. Estás mesmo.
- Tu também, James. Estás com bom aspeto. Deves ter todas as raparigas atrás de ti. – disse eu.
- Nem por isso, não me tenho dedicado muito a isso. E tu.
- Também estou igual. Ando mais vocacionada para o trabalho. Mas tenho sempre tempo para um copo ou dois.
- Nisso estamos de acordo. Queres beber um logo? Falar de coisas?
- Logo vou estar ocupada numa festa de anos mas manda-me uma mensagem talvez a festa já tenha acabado.
Trocamos os números e ainda ficamos a falar por mais um algum tempo. Subitamente olhei para o relógio, reparei que já se fazia tarde, despedi-me educadamente dele e tudo o resto que tinha para fazer durante o dia foi feito a correr como corri entrei nas lojas agarrei o que tinha encomendado e deslocava-me para outra loja parecia o videoclip de uma banda de rock.
Consegui concluir tudo o que tinha programado, eram quase horas de jantar, ligaram para saber onde andava porque já lá devia estar.
Cheguei a tempo para a festa surpresa, já havia muito coisa arranjada: os comes, os bebes, o karaoke. Só faltava mesmo a aniversariante que também não tardaria a chegar. Pus o bolo na mesa e guardei o livro na mesa dos presentes. O bolo já tinha as velas postas. O namorado, que tinha preparado tudo, mandou mensagem, queria dizer que estavam prestes a chegar, já deviam estar no prédio. Apagamos as luzes e escondemo-nos todos para que quando chegassem gritássemos
Enfim, ouviu-se as chaves a rodar a porta e entraram, o namorado dela acendeu as luzes desculpando-se por não ter preparado nada para a festa, o que ra mentira Vanessa nem sonhava com a surpresa que lhe esperava. Saímos todos detrás da cortina e gritamos em conjunto, Parabéns.
            A festa estava fantástica mas algo me entristecera. Eu via aquela felicidade entre Vanessa e o namorado, o cuidado com que ele preparou a festa a atenção para a sua cara-metade. E eu? Quando vai chegar a minha vez de ter alguém que me prepare uma festa, ou que me prepare o jantar quando chegar tarde a casa? Foi então que recebi uma mensagem do James. “sempre queres ir dar uma volta, beber um copo.” Voltou-me o sorriso à cara e respondi-lhe que ainda estava na festa mas que daqui a pouco já saia e que lhe ligava.

Sarah Van Winkle

Em “ O diário de Amanda”

Saíram todos detrás da cortina e gritaram. Parabéns. Parte 1 (Júlio)

            O dia começou bem. Já pedira o dia ao Gerard há mais de um mês. Ele gentilmente mo concedeu após um enorme discussão que surgiu por outros motivos, estritamente profissionais.
O despertador tocou bem cedo, eram nove horas. Levantei-me e abri imediatamente todas as cortinas do loft para entrar o sol. Estava bem-disposta e com vontade de aproveitar o dia. Decidi ir ao cabeleireiro do Júlio, tinha a sensação que o meu cabelo estava uma lástima ao que ele admitiu quando lá cheguei, porém a sua estratégia de marketing é dizer a todos os cabelos que estão uma lástima.
- Cherrí! - disse ele ao ver-me – Olha-me esse cabelo – nem me deixou falar, não proferi sequer uma palavra – Ia perguntar-te como estás fofa, mas o teu cabelo confessou-me tudo. Está as precisar de um arranjo, está uma lástima. Meu Deus! ainda por cima tenho o salão cheio, mas não te preocupes, arranjo um espaço para ti querida, tu mereces. Também deve ser aquele teu patrão mal-encarado que te anda a desgastar, não te dá descanso. Trata-me mal o ordinário?
Júlio fazia maravilhas com os cabelos, era óbvia a sua orientação sexual e o principal defeito era ser um alcoviteiro da pior espécie Era necessário mais do que uma vez chamar-lhe a atenção, no entanto gostava muito dele e era a minha primeira escolha quando se tratava de arranjar cabelos.
- Ele não é mal-encarado nem grosseiro. Mas tens razão Júlio o trabalho dá cabo de mim.
            - Vê-se filha! Olha como estás?
- Não estou assim tão mal.
- Não está assim tão mal porque a natureza deu-te o dom da beleza. És uma Afrodite mas mais algumas semanas e entravas aqui feita num farrapo.
- Que exagero Júlio.
- Exagero é o teu cabelo.
Não esperei mais do que 15 minutos para estar sentada num cadeirão á confiança das mãos de Júlio. Ele perguntou-me o que queria, sugerindo acentuar os caracóis, rapinar as pontas gastas e dar-lhe um tratamento revitalizante. Mas eu disse-lhe que desta vez queria experimentar desfrisar. Ele ficou surpreso mas eu continuei. Queria um corte curto, assimétrico. Disse-lhe que abusa-se do desfiado e do degradê. Queria um corte curto na nuca que preserva-se as pontas longas.
- Mas e os caracóis, honey. Tens caracóis que metem inveja a qualquer mulher.
- Eu sei Júlio mas quero experimentar algo diferente e não é permanente não sejas tão dramático. Sou a tua cobaia. Confio em ti.
- Pois bem, assim seja Amanda.
Ele trabalhou durante uma hora da qual pouco falou o que não era comum. Suou de andar de volta dos meus cabelos ora estava á minha direita ora estava a minha esquerda. Creio nunca tê-lo visto tão concentrado. Com uma das mãos prendia as pontas dos cabelos com a tesoura na outra mão cortava-as, o pente prendia-se-lhe nos lábios sempre pronto a alisar e alinhar os cabelos. Era incrível o sincronismo dele a trabalhar com aquelas ferramentas. Esforçou-se ao máximo e enfim, após uma hora ele havia terminado.
- Et voilá. – finalizou Júlio
- Está perfeito. Oh Meu Deus como está perfeito, e desconfiavas tu do teu talento. Devias ter vergonha.
- Depois do resultado final até eu estou surpreendido – comentou Júlio – superei-me em larga escala.
- Não te trocava por um Paul Mitchell. Muito obrigada.
- Kiss beautiful. Agora terá qualquer homem aos teus pés.
- Todos, menos aquele que eu quero. Mas não vou estragar o dia com essas pieguices. Obrigado Júlio.
 Aquele cabelo deu-me confiança para o dia inteiro, sabia no entanto que o dia ainda reservava algum trabalho com a festa que ia organizar. “Amanda” pensei “estás simplesmente fantástica”. Os homens olhavam-me fixamente mas creio que se apaixonavam apenas pelo cabelo do que pela embalagem toda. Mas que importa aquele corte fazia-me sentir dona do mundo. Adoro estes dias. Quem dera que todos assim fossem.  Agora...tratemos da festa.
Sarah Van Winkle
Em “ O diário de Amanda”

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Party

            Gerard estava de olhos postos nos documentos. Nem deu por mim quando entrei. Sou sincera: entrei no intuito de ir buscar a carteira mas também queria que ele me visse, que olhasse para mim, que me analisasse e a certa altura fui bem-sucedida.
- Onde vais assim vestida? - perguntou ele simpaticamente.
Eu disse que ia à festa da empresa que ele tinha organizado. Fazia-me espécie que o patrão da empresa e organizador da festa não comparecesse. Antigamente não havia festa que ele recusasse muito menos esta, cheia de mulheres, de álcool e de boa disposição. Gerard desculpou-se com excesso de trabalho que ainda tinha por terminar. Eu por sinal disse-lhe que ia, conheceria gente interessante e podia lá estar algum homem descomprometido com quem pudesse falar. Ele sorriu. Como se soubesse que eu não queria apenas falar com um homem descomprometido.
- Já percebi Amanda, vais pó galanteio não é? - concluiu ele em forma de questão.  - A indumentária, no entanto, não é a mais adequada, acrescentou.
- Então estou feia? - perguntei.
Ele disse que não. Estava muito bonita mas faltava-me naturalidade, estava um tanto ou quanto artificial. Foi nesse momento que ele, aquele homem, esbelto, de fisionomia definida, charmoso, bem vestido, com o cabelo curto moldado pelo gel, levantou-se da cadeira e aproximou-se calmo e sorridente. A cada passo que ele dava, o meu coração batia mais forte, perguntava-me o que iria ele fazer. Pois bem, parou á minha frente. Estávamos muito próximos. Poucos centímetros de vazio separavam os nossos corpos. Cruzámos o olhar. Aqueles olhos belos e ardentes, cor de âmbar, hipnotizaram-me desde o primeiro instante. Eu não conseguia desviar vista da sua cara, estava petrificada pela sensualidade que Gérard revelava. Estava frente a frente com a graciosidade da cara de malandro que sempre teve. Senti o bafo expelido da sua boca, cheirava a café e canela. Ergueu os braços á minha volta. Desapertou o laço azul acetinado que me prendia o cabelo e pousou-o em cima da mesa.
- Não precisas disto. - disse ele.
Com as suas mãos sensíveis sacudiu ligeiramente o meu cabelo. Não passava de uma sacudidela mas eu sentia-a como uma massagem sexual que me arrebitou todos os pontos do meu corpo.
- Tens um cabelo bonito - disse. É curto e rebelde, mas nada feio. Fica-te melhor solto e para a frente.
Ele olhou-me de alto abaixo como se observasse a minha alma. Olhou-me de tal forma que senti-me nua mas não ofendida ou intimidada. Senti-me Eva a passear no Éden. Ele aprovou os meus sapatos, os collants transparentes e brilhantes que me realçavam as pernas, a saia, o cinto, tudo. Porém, torceu o nariz na camisa branca que tinha o primeiro botão desapertado.
- Falta aqui qualquer coisa – constatou
Gérard desmanchou o nó da sua gravata que era um vermelho tinto. Levantou as golas da minha camisa negligenciando o meu busto e passou a gravata de volta do meu pescoço.
Eu continuei petrificada durante todo aquele processo. Toda aquela atenção deixava-me imóvel. Parece que nunca vira aquela peça de homem que ali estava, ou convivera tantos anos com ele e sempre fiz olhos cegos ao que ele era.
Consegui sentir a fragrância do seu perfume, Aloé-vera, que estava impregnado na gravata agora envolta no meu pescoço. Ele estava a fazer-lhe o nó mas eu não conseguia tirar os olhos da sua figura, de um momento para outro estava apaixonada. Queria ir á festa com ele, queria beber uns martínis com ele. Divertíamo-nos e depois íamos para casa, deitávamo-nos na cama, amávamo-nos um ao outro paralisando aquele instante para sempre. A ocasião pedia que os nossos lábios se unissem e pensei na realidade de isso acontecer pois o magnetismo juntava-os, mas ambos desviámos o olhar e sacudimos aquela ideia da cabeça como se fosse pecado, porém convictos de que era aquilo que queríamos. Gerard finalizou a sua boa ação com um beijo na minha cara e disse as palavras finais que terminaram aquele impasse.
- Tas muito bonita vais arrasar hoje. Diverte-te.
A guerra milenar dos sexos. Nunca ninguém ganha: eles precisam de nós e nós precisamos deles. Por vezes somos surpreendidas por estas surpresas. Fui á festa e apesar de me ter divertido voltei sozinha a casa pois Gérard não me saia do pensamento.
Ao chegar a casa chorei, como uma menina de escola cujo amor não é correspondido. Os humanos tornam a simples vida numa complicada batalha. Chorei em nome de todos os seres humanos da terra.

Sarah Van Winkle
 
Em “ O diário de Amanda”

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Óh

          Todos os dias Teodoro levantava-se cedo para dar de comer a toda bicharada que tinha em casa. Ele contava com dois periquitos, um canário, um papagaio de nome Louro, uma gata chamada Pipoca, tão afável que não fazia mal a uma mosca. Tinha também um pardal, um ratinho branco apelidado de Zico, duas tartarugas, um esquilo chamado Biscoito e um coelho de sua graça Tito. Com efeito, poucos animais faltavam para fazer da sua casa a bíblica arca de Noé e muito em breve estaria para chegar um novo inquilino. É, Teodoro tinha uma coração de ouro e os animais eram a sua única companhia.
Aos 26 anos, a sua mãe tinha partido para outro mundo e o pai partira para a tasca mais próxima era ele ainda criança, e nunca mais voltara. Sabe Deus onde estará o desgraçado nos dias de hoje, certamente bêbado. No entanto, antes de a sua Mãe ter visto a luz divina inteirou-se que o seu descendente jamais dormiria na rua, assegurando-lhe um teto neste caso a escritura da casa.

El Patronito o Ardina