sábado, 29 de outubro de 2011

ERA 3

A cana vergou mais uma vez e depois parou. Parecia ser a altura exata para repor o isco, aquele último esticão violento deve ter sido algum malandro que comeu a última parcela do bacalhau seco e no entanto não ficou preso ao anzol. Quando ficam presos ao anzol é como se ficassem escravizados, tentam-se esquivar para muitas direções mas só há uma para onde irá que é para terra. Este pensamento faz-me lembrar uma expressão que o meu pai costumava dizer que era: “todos nós somos escravos da sociedade, mesmo quando livre de pensamento mesmo livres de mesmo até quando remamos contra a maré, acabamos sempre por sempre por ser escravos da sociedade, deixamos de o ser na morte. Quando se morre ai sim! Somos livres.” È bem verdade, o pai – que deus o tenha – proferia frases muito sábias. Ainda me lembro quando ele me levou pela primeira vez á pesca. Era eu catraio na minha meninice. Ele comprou-me uma cana de 2 metros, foi a primeira que tive. Montou-me a cana toda com todos os apetrechos essenciais á pesca enquanto me explicava como o fazer. Montou o chumbo, o estralho, o destorcedor e empatou o anzol. Depois deu-me a cana já preparada e explicou como a lançar. Disse: “Trancas a linha com o dedo, abres o cesto na totalidade e lanças, quando sentires a tensão na linha solta o dedo e sente a chumbada cair na agua. Fiz exatamente como explicou o pai. Dei-lhe a potência máxima, nem vi sequer a chumbada a cair na água. Estava contente, parecia ter feito um bom lançamento, o meu primeiro. O pai ria-se como um perdido, ele e os amigos, pois não é que a chumbada foi cair na areia, na zona da rebentação. A partir dai fiquei conhecido como o “chumbada n'areia”, ahhhhhhh… quantas memórias me desperta este desporto, quantas lembranças me recorda o mar.
Na altura não lançava como lanço hoje, a chumbada ficava sempre a 3 metros de mim e o pai disse: “ quando pescares o teu primeiro peixe compro-te uma cana maior. E assim foi, o primeiro peixe que apanhei foi um “sarguito” que não devia ter mais do que dois...três quilos. Que saudades tenho do pai. Perdi-me no monologo que me esqueci de repor a isca, iria agora usar a minhoca. Saquei de um “casulo” de um pequeno conjunto que lá tinha. O "casulo" é uma minhoca que se encontra dentro de um casulo. É uma isca muito utilizada para pescar á noite, brilha dentro de água e chama a atenção dos peixes. Esta isca serve para pescar diversas espécies Devido á sua consistência e tamanho também se mantém muito tempo no anzol resistindo á agitação marítima. Saquei a minhoca do casulo e pulo no anzol. Desde que cá cheguei, já se tinham passado 40 minutos desde o primeiro lançamento se tiramos 30 minutos de monólogos ou filosofias, contabilizam-se 10 minutos de pura pescaria mas na verdade que é este tipo de pesca senão para exorcizar os nossos fantasmas, opiniões, desejos e tudo mais. Como disse: o mar leva tudo e não se cansa das tuas lamúrias. Pus a minhoca no anzol e lancei a chumbada, desta vez para cerca de 27 metros e esperei, até cair no meu próximo monólogo.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

ERA 2

Enquanto esperava, receei que as chumbadas que acabara de adquirir me estragassem alguma oportunidade. Era a primeira vez que usava chumbadas ecologias, apenas se denomina chumbadas pelo uso recorrente do elemento químico, metal tóxico que é, nada mais, nada menos e sem grandes surpresas, que o chumbo no fabrico de pesos ou lastro para imobilizar o anzol no fundo do mar. Estima-se terem sido até aos dias de hoje depositadas 500 toneladas de chumbadas metal nocivo á vida marinha no fundo dos rios e lagos, apenas por causa da pesca. Como todo metal pesado, o chumbo degrada-se muito lentamente no meio ambiente, persistindo durante décadas no solo e no fundo de rios, lagos e represas. Não é metabolizado pelos animais e sofre o processo de bioacumulação, afetando mais os animais do topo da cadeia alimentar, entre os quais está o homem. Por seu lado o fabrico das chumbadas ecológicas emprega materiais como argila, areia e pó de pedra, os quais são biocompatíveis com o fundo dos rios e lagos, em substituição às tradicionais de chumbo, que contaminam a água e os peixes. O peso cerâmico - ou ‘chumbada’ cerâmica – deteriora- se depois de um ano e meio mergulhada na água. Os resíduos se reintegram ao solo por completo.
Só agora me apercebi que estou a falar sozinho pareço um louco, vê-se muitos loucos a falarem sozinhos. Mas será que se é louco se estivermos a pensar alto. Pois para mim estou simplesmente a pensar alto. A pesca para mim nunca foi mais do que um momento de introspeção em que pensamos o que quisermos, o mar é a nossa companhia é a nossa maior amiga há de sempre receber-nos de braços abertos e as suas subordinadas ondas levam os nosso desabafos para longe, levam os nosso pensamentos para outra margem, podemos contar segredos e expressar desejos pois o mar nunca nos vai trair a confiança protege-nos dos nossos medos é como uma mãe que acolhe o filho e embrulha-o nas suas mantas pois há de lá estar sempre para nos ouvir, para nos acolher e nos proteger de tudo. É aquele ser que nos atira pingas de água quando estamos tristes, distraídos, é como se nos pergunta-se: “hey estás bem?“ e diz-nos se sentimos a água a cair na cara é porque está vivo. A vida é um navio e tens que ser o capitão do teu navio, tens que ser o capitão da tua vida. Interrompi-me do exercício do monólogo porque a cana vergou ligeiramente e voltou a ficar hirta olhei atentamente para o “star” que é um pirilampo que se põe na ponta da cana para a prática da pesca á noite. Ela vergou mais um pouco e mais um pouco voltando sempre a ficar hirta novamente mas não estava agitada. Eu sei, era o peixe que lá andava a cheirar a isca, parece ter funcionado ao menos dava para perceber que aquela zona estava agitada. Esperei atentamente que ela vergasse mais vezes, analisaria assim a possibilidade de apanhar algo naquela zona, sabia que iria cair em monólogo novamente, como um louco. Cómico, o poeta quando abre o seu coração e escreve o poema no papel não estará também ele a falar sozinho, a pensar alto será mais o termo, ou estará a falar com o papel a expressar os seus desejos sonhos medos e segredos tal como eu faço com o mar. Um poema não é mais do que a manifestação de um sentimento por palavras e um bom poeta é aquele que consegue fazer com que os outros partilhem o estado de espírito. A cana vergou mais umas vezes assim que ela ficasse estática mais de um minuto tinha que trocar de isco, se os peixes o tivessem comido todo era um sinal de bem-aventurança.

sábado, 22 de outubro de 2011

Era

Eram cerca das oito da noite quando sai de casa, já se fazia sentir uma ligeira aragem, mas eu sabia que a brisa que se entranhava nos ossos, fazia doer os músculos e criava pingos no nariz era aquela que soprava na praia.
Entrei na carrinha de caixa aberta e dei á chave, mas não pegou "outra vez" pensei eu, quando isto acontece tenho que esperar em média 10 minutos, mas àquela hora da noite 10 minutos passavam-se rápido. Resolvi pegar no jornal desportivo que comprei de manha, ainda nem sequer o tinha folheado, e ver os resultados da bola, queria ver como se aguentava o glorioso com o novo guarda-redes e o novo reforço no ataque. Acabei apenas por ver os títulos com letras garrafais pois quando dei por mim estava a bater os dez minutos certos. Dei á chave novamente e desta vez o motor pegou, talvez alguma tosse o impedira de andar da primeira vez.
Demorou cerca 30 minutos a viagem porque não havia muito transito, demoraria mais de 45 se alguma manobra de algum condutor inexperiente provocasse um engarrafamento. Foi curioso ver que no decurso da viagem muito carros que me ultrapassaram munidos de canas, suportes e inúmeros utensílios á pratica da pesca incluindo roupa extra na bagageira, iriam tentar a mesma sorte que eu neste mesmo passatempo ou vicio se assim se poderá chamar. Cheguei á outra margem onde as praias são mais sossegadas mas dirigi-me especificamente a uma, a pequena praia da cova do vapor. Embora frequentemente fosse acompanhado, hoje ninguém se juntou, avizinhava-se uma certa chuva fraca mas seguida de uma aberta e sol, talvez por isso todos se tivessem afastado da circunstância, mas que importa, quem sabe se não apanharia alguma coisa que valesse a pena. Fazia 2 anos que não apanhava algo significativo, apanhava geralmente aqueles sargos ou robalitos pequenos que não serviam mais do que para salgar e comer como petisco ou para usar como isca também Hoje levei uns camarões em sal, camarões de tamanho intermédio, descasquei-os em casa e pu-los em sal para enrijecer a carne para o peixe que o morder não o debicar tão facilmente, há quem diga que o sucesso está na isca utilizada outros são da opinião que é a maneira como se põe a isca que é crucial á boa apanha.
Cheguei ao local e estacionei a carrinha no descampado que ficava a poucos metros da praia e depois de tirar o material, carreguei-o até á beira-mar. A maré parecia estar a vazar, manter-se-ia assim durante umas 2 horas e voltaria a encher. Comecei por fixar o suporte da cana na areia perto da rebentação, era um suporte barato sem grandes mariquices de ligas metálicas fortes e resistentes a corrosão... nada disso. A linha multifilamento suportava 80 libras de peso e tinha um diâmetro de 0.48mm, quando uma linha monofilamento de diâmetro 0.57 mm suporta cerca de 40 a 50 libras de peso traduzidos em quilos ronda os 18.5 kg podendo chegar aos 20 kg. Bem sei que a resistência é maior ao lance mas é mais fiável na captura, quantos nylon’s se partiram no momento célebre da captura de algum espécime mais bravo. A memória da linha era muito baixa o que aumentava a qualidade da mesma, havia ainda as linhas de maior diâmetro o máximo creio eu ser de 200 libras para multifilamento mas eu não ia também capturar nenhum tubarão branco, as multifilamento, embora mais caras, eram mais fiáveis, com essas linha inquebráveis das duas uma: ou o peixe é apanhado ou a cana fratura, nenhum peixe se escaparia daquela linha, a não ser que a cana se partisse, o que era improvável, ou que o pescador fosse arrastado para o mar. Ehehehe… já viram algum pescador ser pescado por um peixe grande? Com efeito perdia elasticidade, mas não me ralava pois quanto mais longe lançasse a chumbada mais hipóteses tinha de apanhar algo digno. Se apanhasse um peixe grande não corria mesmo o risco da linha se partir.
Instalei o carreto ou molinete, como chamam em outras regiões, na cana. O carreto suportava 250 metros de linha se bem que ao arremessar não o atirava mais longe do que 25 metros. A cana telescópica era de fibra de carbono e era bastante flexível o que já me dava margem para usar um nylon de diâmetro maior. Enquanto montava tudo ia pensando no tempo decorrido em que não apanhara um peixe digno de ser pescado, já começava a ficar mal perante os meus amigos e colegas de pesca.
Já tinha tudo preparado á beira-mar, faltava apenas o isco. Abri a maleta em que trazia inúmeros tipos de isco: tinha um saco com gelo em que tinha disposto um choco que podia cortar em filetes, e podia utilizar o mesmo método com a sardinha e a lula que acompanhavam o choco, mas optei apenas por um com que já andava a sonhar: o camarão. Os camarões vinham descascados e sob uma camada de sal grosso, dentro de num boião onde também lá havia algumas tiras de bacalhau-graudo ainda seco. Experimentei primeiro um pequeno filete de bacalhau, deixei apenas um nano milímetro da ponta do anzol á mostra, não fosse essa a técnica ganhadora, e lancei a chumbada ecológica o mais longe que podia. A chumbada pelo toque deve ter percorrido cerca de 20 metros ao senti-la cair na água, esperei que alguma coisa picasse.

sábado, 8 de outubro de 2011